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A economia mundial no pós-guerra da Ucrânia

Por Adhemar S. Mineiro, Economista

Em 15/04/2022 às 14:30:39

A guerra na Ucrânia ainda não acabou, mas ela já coloca pontos importantes para o debate do que vai ocorrer no futuro. A sensação é de que a guerra catalisou um processo que poderia se estender por décadas, e na forma de uma transição negociada, talvez, embora o mérito da transição – a disputa hegemônica entre EUA e China – seja um tema em que normalmente não se dê sem rupturas importantes. De todo modo, o processo que vivemos desde 2020, com a pandemia e, depois, a invasão da Ucrânia, acelera esse processo.

Dois elementos aqui parecem centrais, um relativo a um aspecto mais diretamente voltado à produção, e outro relativo ao mundo financeiro.

No que se refere à produção, o ponto é a desconexão de antigas cadeias globais de produção. Esse processo em realidade começou antes da pandemia, com políticas nacionais de reindustrialização, de reativação de setores industriais nacionais em alguns países. Em parte, isso foi viabilizado pela nova onda de inovações tecnológicas, apelidada de Economia 4.0. Só para dar um exemplo, se é possível produzir em escala eficiente com impressora em 3D, a questão do custo de mão de obra perde relevância para a localização de um setor de produção. Assim, esse movimento já estava em curso, embora de forma lenta e pouco explícito.

Com o Governo Trump nos EUA, esse processo foi assumido para alguns setores, afinal o voto do chamado “cinturão da ferrugem” havia sido importante no processo eleitoral e era preciso dar alguma resposta. Com a pandemia, o processo se fortaleceu e se acelerou, com a discussão do grau de importância estratégica de alguns setores. Alimentação, equipamentos hospitalares, produtos químicos e insumos farmacêuticos, e tantas outras coisas, deixavam a categoria de “commodities” e passavam a de produtos estratégicos. A guerra recolocou nesta categoria a questão da energia, vários minerais e ampliou a importância da chamada “soberania alimentar”.

O livre comércio é baseado na circulação de commodities que se diferenciam no mercado, nas vantagens comparativas, na livre circulação dos produtos. Se os produtos são estratégicos, então a localização de sua produção não é indiferente para os vários países. As cadeias de produção em que as várias etapas da produção tentam aproveitar as vantagens de localização para cada um dos insumos, globalizando a produção, retrocedem se produtos são estratégicos. A localização de sua produção não é neutra, colocando a ideia que alguns autores já chamam de “desglobalização”. Se a esse debate acrescentamos um pano de fundo de disputa hegemônica entre EUA e China, que ganha escala com a guerra na Ucrânia, está evidenciado o problema.

O ponto relativo ao mercado financeiro é a hegemonia do dólar estadunidense e dos mecanismos nas finanças internacionais que garantem essa hegemonia. Essa estruturação do sistema financeiro internacional, que vem ainda de Bretton Woods, desenhada antes do final da 2ª Guerra Mundial para funcionar na sequência, e que foi explicitada no início da década de 1970, quando o Governo Nixon nos EUA assumiu que o dólar estadunidense não tinha efetivamente lastro em ouro, serviu para azeitar o funcionamento da hegemonia dos EUA por cerca de 70 anos.

A utilização, entretanto, desses mecanismos financeiros para viabilizar sanções aos russos (já havia acontecido antes com países menores, como Iraque, mas nunca na escala atual e em relação a um país da importância da Rússia – só para lembrar, membro do G20, estrutura construída a partir de 2008 entre as principais economias para tentar administrar uma grande crise financeira no coração do capitalismo mundial, onde vários dos países, Rússia inclusive, contribuíram com recursos para tentar contornar a crise) deixou até setores conservadores e defensores do status quo da hegemonia financeira dos EUA de cabelos em pé – afinal, se os mecanismos viram “armas” de guerra, por que o conjunto de países deve acreditar e continuar apostando neles como apenas “mecanismos financeiros neutros”? Os países começam a articular saídas, que passam por estruturar mecanismos alternativos, multilaterais, regionais ou bilaterais, de modo a não depender dos canais que sancionam a hegemonia estadunidense.

Essas coisas são simples? Não. São instantâneas? Tão pouco. Mas estamos começando a ver, adentrando a terceira década do novo século, processos que talvez na virada do século fossem inimagináveis, quando a aposta geral era no aprofundamento da globalização.

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